sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

74- Shostakovich 3






No começo de outubro, apesar da relutância do músico, Shostakovich e outros intelectuais foram evacuados via aérea, da Leningrado sitiada. Em outubro de 1941, ele foi forçado a se deslocar para Kuybishev (Samara), onde ele completou a sua 7ª Sinfonia (Op. 60, 1941), que ele deu o nome de "Leningrado", a primeira da série da trilogia das sinfonias de guerra, a qual é um quadro orquestral da resistência do povo da cidade de Leningrado (atual S.Petersburgo) ao cerco alemão.

A obra era tocada na Rádio de Leningrado em 1942 durante o longo cerco (870 dias) da cidade e foi preciso recorrer a todo e qualquer músico que pudesse ser libertado do esforço de guerra, de modo a completar a Orquestra da Rádio de Leningrado, já então bastante delapidada.

Esta é uma sinfonia de excessos. Musicalmente, oscila entre melodiosos temas pastorais, construídos em torno flautas celestiais, harpa e violino e a violência sonora e marcial, de que é exemplo toda a seção central do primeiro andamento. Os excessos da 'Leningrado' revelam-se ainda pela sua duração (75min.).

Estreada a 5 de Março de 1942, obteve grande sucesso, quer junto do público quer junto das autoridades, os quais puderam ver esta sinfonia como uma ode aos bravos que defenderam Leningrado dos invasores nazistas.

Esta primeira apresentação da Sétima Sinfonia, foi executada com a grande Orquestra do Bolshoi sob a regência de Samuil Samosud. Este dirigente foi o mesmo que regeu as estréias das duas óperas de Shostakovich, O Nariz e Lady Macbeth de Mtsensk.

A transmissão do concerto foi feita por rádio e atingiu todo o país. Foi um recepção calorosa a esta sinfonia, aliada ao fato de as autoridades andarem envolvidas no esforço de guerra, que fez com que o ambiente se apresentasse um pouco desanuviado para o nosso compositor, deixando de ser, pelo menos temporariamente, o alvo dos vigilantes de serviço.

Para auxiliar no esforço de guerra, ele levantou como um guardião de fogo um cartaz de propaganda que foi entregue a uma transmissão de rádio para a União Soviética. A revista Time homenageou em suas páginas Dmitri Shostakovich, reproduzindo uma foto onde o mesmo, vestido de bombeiro junto ao pianista Sofronitski, auxilia no combate às chamas que consumiam o Conservatório de Leningrado. A capa da revista reproduz uma foto do compositor com o capacete dourado da Brigada de Bombeiros de Leningrado. Parte do texto aborda a proximidade da estréia da Sétima Sinfonia.

Ao fim da guerra, mesmo com o sucesso propagandístico gerado pela Sétima Sinfonia, a Oitava e Nona Sinfonias e o Terceiro Quarteto de Cordas foram denunciados como desvios musicais com tendências antidemocráticas. Com isso, Shostakovich foi afastado do conservatório de Moscou e sua música deixou de ser executada. A reabilitação só veio com a "Canção da Floresta" em 1949, que é uma ode ao plano glorioso de reflorestamento proposto pelo Secretário Geral do Partido. O músico foi reabilitado e ganhou o Terceiro Prêmio Stalin.

No verão de 1943 iniciou a escrita da Sinfonia Nº 8, a segunda da referida trilogia sobre a guerra, e que se previa que estivesse em linha com a anterior. Até mesmo a certa altura já lhe tinham atribuido o nome de "Stalingrado", que, contudo, nunca viria a ostentar. Apesar do tema da guerra estar de novo bem presente durante toda a obra, e isso reconhecido pelo próprio autor ao afirmar que "quis recriar o clima interior do ser humano ensurdecido pelo gigantesco martelo da guerra", cenas ocultas vieram à tona.

É que o sentimento que atravessa e marca a sinfonia, de dor e destruição, apanhou de surpresa a audiência na estreia, a 4 de novembro de 1943. E se o público não a entendeu assim, já as autoridades não lhe acharam graça nenhuma, e daí veio a proibição da execução pública da obra. Novamente a censura não estava assim tão distraída e o compositor, sempre observado, fez com que a Sinfonia nº 8 só viesse a ser tocada de novo após a morte de Stalin, em 1953.

Shostakovich era filho da Revolução e, sem ela, ele nunca teria conseguido fazer o que fez. Durante toda sua vida, apesar de todas as tentativas dos comentários maliciosos, ele permaneceu leal aos ideais do socialismo e de Outubro. Mas ele detestava Stalin e a burocracia. Isto lhe custou caro. Devido a seus princípios, teve uma vida dura, cheia de perseguições que só lhe atormentavam.

Em fevereiro de 1948, um decreto do comitê central do partido comunista, inspirado pelo informe de A. Jdanov (formulações brutais contra toda obra de arte que se afastasse das normas de um otimismo patriótico), ele foi denunciado por ser um apreciador do domínio burguês. Suas obras, então, foram proibidas de execução pública e ele foi forçado a se arrepender publicamente por suas "ações".

Neste ano, ele absorve em seu pensamento um grande medo de ser preso e muitas vezes passa a noite fora de sua casa, para que sua família não seja perturbada , caso fosse preso ou abatido. Entretanto, nunca foi preso e assim reanimado imediatamente começou a trabalhar no resgate de si mesmo aos olhos da liderança soviética.

Ele compôs " Concerto para Violino nº. 1", que provou ser mais popular e ajudou um pouco sua situação. Em 1949, as restrições às suas composições musicais foram facilitadas de tal forma que ele concordou em participar de uma delegação de celebridades Soviética para os Estados Unidos. Viajou para os Estados Unidos como delegado soviético na Conferência Mundial da Paz e pôde observar o sucesso que suas obras tinham no exterior, principalmente a 5 ª sinfonia.

Em 1949, Shostakovich compôs "Canção das Florestas", que chamou para Stalin, o título de o grande jardineiro. O elogio aparentemente agradou bastante a Stalin e, em 1951, Shostakovich foi nomeado como suplente para Stalin. Em 1953, após a morte de Stalin, Shostakovich lançou a 10 ª Sinfonia , que foi muito popular e que parecia ser um retrato musical de Stalin como uma pessoa.

Em 1954, sua esposa morreu e ele se casou com uma mulher chamada Margarita Kainova em 1956. Seu casamento provou ser problemático e terminou em divórcio em 1959.

Em 1960, ele decidiu se juntar ao Partido Comunista, um ato que ele fugiu na maior parte de sua vida. Embora esta mudança tenha lhe tornado mais popular com a liderança soviética, Shostakovich teria lamentou a decisão e disse que ele era chantageado. Naquele ano, ele também lançou o seu "Quarteto de Cordas 8".

Em 1962, ele casou pela terceira vez com uma mulher chamada Irina Supinskaya. Apesar da sua enorme diferença de idade (ela tinha 27, ele com 56), se davam muito bem e ele permaneceu casado até sua morte. Neste ano, ele também lançou o seu "13 ª Sinfonia", que provou ser muito controvertida devido ao seu foco no massacre judeu durante a 2ª Guerra Mundial.

Em 1965, ele foi diagnosticado com poliomielite, e em 1970 e 1971, ele sofreu uma série de ataques do coração que mais impactaram a sua saúde. Apesar dessas doenças, ele lançou suas sinfonias 14 e 15 em 1969 e 1961, respectivamente. Dmitri Shostakovich morreu de câncer de pulmão em 9 de agosto de 1975.

O compositor sobreviveu a três infernos interligados: a Revolução Russa, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto Stalinista. Sua produção musical ganha muito poder quando passamos a entender o ambiente onde ele viveu e o sentimento que ele tentou colocar em sua obra. Não nos causa surpresa que seus acordes sejam selvagens e trágicos.

Sua vida, por conseguinte, abrangeu a Revolução de Outubro, a guerra civil e as duas guerras mundiais, bem como os horrores do estalinismo, que mudou todo o curso de sua vida, como mudou o destino do país de Outubro, pisoteando as esperanças e os sonhos despertados pela Revolução Bolchevique.

Todos os sofrimentos de sua terra natal estão expressos em sua música. Por essa razão, às vezes, parece que sua música é "difícil" de escutar. Este é o caso, particularmente, de suas últimas três sinfonias, escritas no final de sua vida, quando Shostakovich estava amargurado e crescentemente obcecado com a idéia da morte. Mesmo assim sua música nunca foi pessimista, mas sim trágica e profundamente humanista.

Dimitri Shostakovich, um dos maiores compositores do século XX, um gigante que deu voz aos sofrimentos e triunfos do povo soviético em um dos mais turbulentos e revolucionários períodos da história. Por outro lado, acho que o ouvinte contemporâneo identifica na música dele uma capacidade de compreender, com compaixão mas sem sentimentalismo, o drama do ser humano exposto à opressão.

Levic

Nenhum comentário:

Postar um comentário