domingo, 2 de março de 2014

119- A ópera nos Estados Unidos

Estados Unidos




Este post é dedicado aos comentários de The New York Times - Zachary Woolfe | 20/08/2012 16:42:37 - Atualizada às 20/08/2012 16:47:35, cujo título é "Filmes de Hollywood prejudicam imagem da ópera nos EUA".
http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/cinema/2012-08-20/filmes-de-hollywood-prejudicam-imagem-da-opera-nos-eua.html


Cinema reforça a noção de que os espetáculos musicais sejam programas luxuosos, estáticos e obsoletos


"A ópera?", a protagonista do último filme de Kenneth Lonergan, "Margaret" (2011), pergunta amargamente a sua mãe. "Por que você vai à ópera?"

A personagem é apenas uma adolescente mal-humorada, mas sua pergunta sem querer chegar ao cerne da questão. Por que ir à ópera? O que esperamos de uma ópera? Estas são questões cruciais em um momento em que companhias de ópera americanas enfrentam os mesmos problemas econômicos que o resto do país, lutando para sobreviver.

                                                                 

Imagens do filme "Margaret" (2011).
Esta forma de arte, com seus enormes elencos, orquestras e produções, e os seus exércitos de ajudantes e pessoal administrativo, já era difícil de se manter mesmo antes da mais recente crise financeira. Me disseram uma vez que os bons diretores de companhias de ópera são aqueles que perdem dinheiro com responsabilidade.

Mas há problemas mais profundos do que os financeiros com as ópera americanas, e eles já existiam muitas décadas antes da recessão. Em todo o país, há alguns pontos focais de inovação e experimentação, mas a paisagem é predominantemente monótona.

O repertório está em grande parte estagnado, com foco no mesmo pequeno grupo de sucessos do passado. As poucas grandes estrelas remanescentes dos palcos - Plácido Domingo , Renee Fleming e Anna Netrebkos - são necessários para vender quase tudo o que não é "Aida", "Carmen" ou "Turandot".

O estilo de produção típico opta por um escapismo suavemente nostálgico, ao invés de algo vibrante ou mesmo relevante. Este foi o caso durante boa parte do século 20, e não houve muita mudança até agora.

 Julia Roberts e Richard Gere na cena da ópera "La Bohème", do filme "Uma Linda Mulher" (1990).

                                                             

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Quando me perguntam sobre as razões para esses problemas mais profundos, eu digo, existem dois: "O Feitiço da Lua" (1987) e "Uma Linda Mulher" (1990).

Afinal, esses filmes ditaram o que a maioria dos americanos provavelmente imagina que seja ir à ópera. Ambos têm cenas fundamentais em uma ópera, que nos dois casos seguem o mais padrão dos repertórios padrão: respectivamente "La Traviata", de Verdi, e "La Bohème", de Puccini.

Nesses filmes a visão da ópera é a mesma: algo luxuoso, estático, obsoleto. Não é um encontro vivo, mas uma viagem ao Madame Tussauds (famoso museu de estátuas de cera). A experiência de uma ópera é apenas o ato de vestir roupas extravagantes e aproveitar um jantar caro, de deixar a vida cotidiana para trás. Trata-se de algumas lágrimas e não de emoção verdadeira. A ópera se tornou o mais solene dos encontros a dois.

       Embora ambos os filmes tenham recebido crédito por ajudar a popularizar a ópera, a ideia da forma de arte que têm popularizado foi profundamente danificada. Os filmes americanos têm passado uma determinada ideia da ópera, e agora é isso que os americanos acham que querem. Esta é uma grande parte da razão pela qual o público ainda em vai em massa assistir apenas aos espetáculos mais famosos e por que resiste a qualquer interpretação não é tradicional.

Leia também: Ópera "made in China" adota elementos ocidentais: http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/musica/2012-07-28/opera-made-in-china-adota-elementos-ocidentais.html

                                                          




Assim também, empresas conscientes do quanto vendem, oferecem infinitas opções de óperas como "La Bohème" e "La Traviata". Com poucas oportunidades para que as pessoas experimentem outros estilos de repertório ou produção, e o ciclo vicioso continua.

                        

Cher e Nicolas Cage na cena da ópera "La Traviata", do filme "O Feitiço da Lua" (1987)
Lembrei-me de "Feitiço da Lua" e "Uma Linda Mulher" quando assisti "Margaret", que saiu recentemente em DVD nos Estados Unidos.

O filme - que conta a história de Lisa (Anna Paquin), uma adolescente cuja vida em Manhattan entra em parafuso depois que ela testemunha um acidente de ônibus fatal - gira em torno de uma ópera, que é onipresente, no filme e no próprio enredo. O filme é ancorado por duas cenas que ocorrem durante apresentações na Ópera Metropolitana de Nova York: "Norma", de Bellini, e "Contes d'Hoffmann", Offenbach.

Como em "Feitiço da Lua" e "Uma Linda Mulher", estas são noites para encontros envolvendo vestidos longos. As produções são ornadas: muito mais visuais do que qualquer versão de ópera atual.

No começo do filme o prelúdio para o primeiro ato de "Lohengrin", de Wagner, toca enquanto o filme segue Lisa em câmera lenta. O mesmo prelúdio toca novamente quando Lisa deixa o velório da mulher que morreu no acidente de ônibus, alternando a sua imagem com cenas de tráfego na chuva e um avião movendo-se pelo céu.

A estreia de Lonergan como diretor, o aclamado "You Can Count on Me", de 2000, foi contido, intimista, modesto. "Margaret", pelo contrário, é um filme interessado na auto-dramatização e no melodrama: ele é orgulhosamente amplo e exagerado. A infusão da ópera parece destinada a aumentar a escala de sua produção anterior.

Mas conectar a ópera ao emocionalismo - melodrama, lágrimas e gritos - também revela uma limitada e limitante compreensão dessa forma de arte, sinalizando para o público que os seus outros aspectos são menos importantes. Por isso, "Margaret" não é melhor do que "Melancolia"  (2011), de Lars von Trier, em que repetições incessantes da música de "Tristan e Isolda" pouco fez além de telegrafar os sinais mais óbvios e superficiais de sua possível emoção.

Em "Hannah e Suas Irmãs" (1986), de Woody Allen , por outro lado, também há uma cena realizada em uma performance da ópera do Met. O repertório não é exatamente inovador - "Manon Lescaut", de Puccini -, mas frequentar a ópera é mostrado como algo orgânico na vida de seus personagens. A ópera não é uma grande coisa, um grande evento em suas vidas.

Mas até que a ópera deixe de ser associada à nostalgia escapista e a encontros fantasiosos, ela estará condenada a lutar por relevância. "Por que você vai à ópera?" Lisa pergunta em "Margaret", mas sua representação neste e em outros filmes apenas dificulta esta resposta.

Vale a pena ler também http://criticofilia.blogspot.com.br/2012/10/critica-feitico-da-lua.html


Levic