quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

73- Shostakovich 2



Dmitri Shostakovitch ( 1906 — 1975) foi um compositor russo que trabalhou oficialmente para o regime comunista, tendo porém sido relegado ao quase ostracismo no fim de sua vida. Nasceu na União Soviética, no meio de uma família onde a cultura ocupava um lugar importante. Suas primeiras lições musicais, aos nove anos de idade, ele aprendeu com sua mãe que era uma pianista profissional, mas com uma idade que já pode ser considerada um tanto tardia.

Nascido em São Petersburgo, Shostakovich era o segundo de três filhos. Sua família pelo lado do pai era de origem polonesa e seu avô paterno, Boleslaw Szostakowicz, participou na insurreição fracassada de 1863 contra o domínio russo, tendo sido sentenciado ao exílio perpétuo na Sibéria. Esses fatos devem ter produzido impactos profundos na mente do jovem Shostakovich, que, apesar de não ser ativo na política, sempre teve uma incandescente aversão à tirania e uma profunda simpatia pelos sofrimentos das vítimas da opressão.

Sua produção musical abarca todos os gêneros musicais tanto na ópera, como na comédia musical, sinfonias, concertos, cantatas e até trilhas para filmes. Entretanto parece que ele desistiu da ópera, privando o palco lírico do século vinte de um de seus principais talentos naturais, pois na verdade só escreveu duas óperas, devido talvez aos temas que precisavam passar pelo crivo do Estado, pela interferência severa da política interior.

Entre as obras de destaque do compositor surgem ballets, música de cena e cinema, 15 sinfonias, 6 concertos para piano, violino e violoncelo e suas Danças Fantásticas, 24 prelúdios para piano, 24 prelúdios e fugas para piano, 2 sonatas para piano, 8 quartetos de cordas, diversas obras de música de câmara, trilhas para filmes, além de 2 óperas.

Sua música costuma ser bastante envolvente, com forte uso de temas militares, comuns à época em que viveu (comunismo, Segunda Guerra Mundial, entre outros). Além disso, ao compor quinze sinfonias, foi um dos maiores sinfonistas do século XX. Também escreveu uma suíte para orquestra de jazz, dois concertos para piano e orquestra, concertos para violino e violoncelo e diversos quartetos de cordas, além de obras para piano solo.
Ainda da suite de jazz: Suite Variaty Stage

Foxtrot

Ballet Suite

Jazz Suite nº2-Valsa
(clique nos nomes para assistir os vídeos)

Em 1919 ingressou no Conservatório de São Petersburgo (então Petrogrado), onde estudou piano com Leonid Nikolayev e composição com Maximilian Steinberg. Os estudos de piano prolongaram-se até 1923 e os de composição até 1925.

No aprendizado de composição, foi aluno de Glazunov e de piano com Steinberg no conservatório de Leningrado. Sua primeiro sinfonia, uma das mais conhecidas até hoje, foi escrita antes mesmo de concluir seus estudos no conservatório.

Foi agraciado por diversas comendas outorgadas pelo governo russo, ao mesmo tempo que recebia ataques e desgraças provindas do mesmo governo que lhe concedia premiações. Uma das óperas que recebeu ataques violentos do “Pravda” foi sua ópera “Lady Macbeth de Mtsensk”. Escreveu trilhas sonoras para filmes e chegou a trabalhar no teatro com Meyerhold.

Embora continuasse inscrito como aluno de pós-graduação em composição até 1930, ele raramente consultava Shteynberg, que admitiu não compreender as músicas mais recentes de Shostakovich. Esta música foi escrita em uma nova linguagem para a época, pois parecia austera, satírica e bastante dissonante, um estilo que refletia as tendências modernas da música européia.

Em 1926, a sua sinfonia nº 1, peça de formatura da classe de composição, foi muito bem bem recebida em todos os cantos. Recebeu menção honorífica em piano no prestigioso Concurso Chopin de Varsóvia na edição de 1927 e também neste ano recebeu uma encomenda do governo soviétio de uma obra que seria tocada nas comemorações da “Revolução de Outubro”.

Parece que esta apresentação surpreendente da Sinfonia nº1, a qual recebeu a atenção do mundo musical, mudou a vida de Shostakovich com muitas expectativas e reconhecimento do seu valor e, realmente, logo em seguida vieram as obras posteriores, como a ópera "O Nariz" e o ballet "A Idade do Ouro" que mostraram o seu lado talentoso aplicado ao humor e à sátira. Talvez esta inclinação ao humor tenha surgido pela sua admiração a Gogol ou por ter assistido a muitos filmes quando tocava nos cinemas.

Sim, pois Shostakovich para sustentar sua mãe viúva e família teve que tocar piano como acompanhante de cinema mudo em várias salas de cinema, ao mesmo tempo que prosseguia em seus estudos. Foi lá que o jovem Shostakovich desenvolveu seu talento pela paródia musical e pela combinação da música à ação.

Eis , então, que entre 1927 e 1930, Shostakovich escreveu várias peças onde o humor e a sátira prevaleciam às custas do lirismo e que são notáveis pelo uso brilhante e imaginativo dos recursos orquestrais. Entre estas obras temos: "O nariz"(1929), "A época dourada" e a música incidental para a encenação de "A pulga".

Acompanhando um dos filmes mais populares e acessíveis da União Soviética , Shostakovich o transforma numa ópera que foi bem aceita. Então, The Gadfly era um filme de grande sucesso, um drama açucarado e divertida fantasia baseado em um romance da escritora inglesa Ethel Voynich, que faz uma visão histórica misturada com o cruzamento entre "Os Três Mosqueteiros" e "The Scarlet Pimpernel", focalizando o herói como um fanfarrão revolucionário no Risorgimento da Itália no ano de 1830/1840. Isso dá ao compositor uma chance deliciosa de criar canções no estilo de Bellini e Verdi. Os mais famosos são o Galop cativante e o romance, que têm sido reciclados muitas vezes em programas de TV e propagandas e são criações mais adequadas para àqueles que preferem a música de Shostakovich do lado mais leve.

Agora, o elemento cômico retorna em sua única ópera realmente completa, Lady Macbeth do Bairro de Mtsensk, obra esta que o compositor, então com vinte e oito anos, revela também seu lado sério. Há elementos de Grand Guignol, aparentemente tomados dos filmes de terror, juntamente com comentários sociais que zombam e condenam a avareza e a ignorância da maior parte dos personagens. A música é enérgica e em algumas vezes ressaltando a ação e em outras vezes tomando um caminho próprio para expressar a cólera do compositor ou o seu próprio entretenimento. Entretanto, esta ópera será motivo de muitas punições para ele.

Shostakovich foi muito elogiado e recebeu várias distinções: em 1954, de Artista do Povo da URSS e de Membro Honorário da Real Academia Sueca de Composição; em 1956, a Medalha da Ordem de Lênin, além do Prêmio Lênin de Composição em 1958 e 1966, e no mesmo ano de 1958 o título de Doutor honoris causa pela Universidade de Oxford e pela Universidade de Dublin, em 1968. Em 1966 a medalha de ouro da Real Sociedade Filarmônica de Londres.

Apesar de todos as condecorações e prêmios recebidos, sua carreira foi marcada por perseguições e condenações do mesmo regime que o laureava, sob a acusação de realizar uma música antipopular e com excesso de modernidade. Este desamparo, sentido tantas vezes por ele, pode ser o que transparece principalmente no estilo das últimas composições, caracterizadas por um tom amargo e sombrio bem diferente das primeiras que encontravam com os tons mais alegres e românticos.

No decorrer de sua carreira, em 1936, Shostakovich sofreu um inesperado revés na sua vida, na época da apresentação de sua segunda ópera que é a Lady Macbeth de Mtsensk. A peça foi calorosamente bem recebida pelo público, tanto em Leningrado quanto em Moscou, mas foi retirada de cartaz pela crítica do Pravda, entitulada "Caos no lugar de Música", em que acusa o compositor de haver escrito um concerto fora dos propósitos de uma música socialista.

O Pravda classificou a música do compositor como rude, grosseira, atrapalhada e confusa. Ele só se reabilitou ao lançar sua 5 ª Sinfonia, até hoje uma de suas obras mais populares. Interessante que poucos meses antes do conflito da ópera citada, ele havia ganho o Prêmio Stalin e mil rublos pela apresentação de seu Quinteto para Piano.

A ópera em questão, Lady Macbeth de Mtsensk, descreve elementos da vida soviética, em fatos que ele teve o cuidado de disfarçar ao escolher um história do século precedente. Sob esta caricatura do bufo dos policiais, por exemplo, está presente seu desgosto com os mecanismos de um estado de polícia. Embora sua heroína seja uma assassina, ele é complacente com ela: ele a vê como a vítima de uma sociedade repressora, levada a um ponto onde não tem escolha.

Na época do ataque do Pravda, ele estava se preparando para realizar a sua 4 ª sinfonia, mas as críticas levaram-no a perder quase todos os seus financiamentos e os resultados foram decepcionantes, tendo que adiar a sua apresentação até 1961.

Também em 1936 ele viu a detenção de muitos de seus amigos e colegas durante o Terror da União Soviética "Grande". Além de seu caráter bastante tímido e retraído, os pesados golpes que caíram sobre sua cabeça, durante toda a sua vida e que ameaçaram a sua própria existência, ensinaram-no a ser reservado e cauteloso. Isto explica o porquê de suas declarações frequentemente enigmáticas sobre o seu próprio trabalho.

Assim se inicia uma grande contradição na vida deste grande músico, pois Shostakovich no Ocidente era considerado um autêntico compositor oficial soviético e em seu próprio país sofria interferências das autoridades culturais, denegrindo a sua obra com contaminações políticas. Apesar disso, e de sua aparente aceitação dos preceitos socialistas na música, ele sempre conseguiu manter-se com uma indepedência criativa.

Ele nunca foi um dissidente, porque no fundo acreditava nos princípios do regime e denunciava apenas os seus desvios e deformações, sentidos através da vida do povo e da imposição de uma coerção exagerada . Também nunca foi um homem do sistema, que se beneficiasse de privilégios. Se foi muito premiado, é porque – sobretudo após a morte de Prokófiev – era o maior compositor soviético vivo.

O compositor sempre passou por momentos de glória ou de desprezo junto às autoridades. Nicolas Slonimski observou que Shostakovich era o barômetro do humor dos políticos em relação à música soviética. Sua ópera Lady Macbeth, aclamada mundialmente, foi execrada por Stalin e colocou o cantor em péssima situação perante o Partido.

Em 1937, ele lançou sua 5ª Sinfonia, que não tinha o conteúdo político de seus trabalhos anteriores e teve permissão para ser executada . A sinfonia foi um grande sucesso e continua a ser um de seus trabalhos mais aplaudidos, um cartão de visita no exterior. Durante o trabalho da criação da sinfonia, ele começou com os experimentos de introdução de quartetos de cordas. Nessa mesma época assumiu o ensino de composição musical no Conservatório de Leningrado, o que lhe trouxe um maior prestígio.

Para atender aos ânimos das autoridades, o compositor também fez coisas de encomenda, como "O canto da floresta" e "O sol brilha sobre a pátria", que são peças para enaltecer o stalinismo, ou veleidades como marchas para o exército e a polícia, mas em suas obras essenciais ele foi íntegro e, mais que isto, ousado. 'O canto da floresta', mesmo se baseando em um texto de baixíssima qualidade poética, Shostakovich dá um jeito de ser fiel a si mesmo e escrever música que não é totalmente desprovida de qualidade.

Shostakovich, como já se viu pelas observações feitas, é um caso dúbio. Foi criticado por Stalin quando apresentou a ópera de vanguarda Lady Macbeth de Mtsensk, em 1936. Como bom comunista, aceitou as críticas e dedicou-se a obras de tom oficial, nas quais, porém, às vezes semeava suas dissonâncias. Compôs até uma trilha de "A Queda de Berlim", um filme de guerra propagandístico em que Stalin era retratado como herói. Sempre que o ditador aparecia em cena, o fundo musical era meloso, sem grandes inovações.

O sarcasmo e o humor negro são características do homem Dmitri, que se encontra nele antes mesmo de Sollertínski lhe ter revelado a obra de Mahler, na qual ele vai encontrar um tom grotesco, de deformação caricatural, com o qual tem toda afinidade. O tom irreverente de humor já está presente nas obras do início de sua carreira, e é muito forte, por exemplo, no scherzo da Primeira Sinfonia. Mas esse é um traço inato de sua personalidade, que explica, por exemplo, a atração que tem por Gogol, e que vai amadurecer e se refinar no contato com a música de Mahler.


Existe alguma semelhança? Pelo menos, na fotografia.


Levic

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