3 ª parte: As "tragédies lyriques" de Lully
"Tragédie en musique" (tragédia lírica francesa), também conhecida como tragédie lyrique, é um gênero de ópera francesa introduzida por Jean-Baptiste Lully e usada por seus seguidores até a segunda metade do século XVIII. As óperas neste gênero são geralmente baseadas em histórias da mitologia clássica ou nos românticos épicos italianos de Tasso e Ariosto. As histórias podem não ter um final trágico, pois na verdade, elas geralmente não o tem, mas sim a atmosfera deve ser nobre e elevada no seu final.
O padrão deste gênero de "tragédie en musique" tem cinco atos. Os trabalhos anteriores no gênero foram precedidos por um prólogo alegórico e, durante a vida de Louis XIV, estes geralmente comemoravam os reis nobres em suas qualidades e suas proezas na guerra. Cada um dos cinco atos geralmente segue um padrão básico, abrindo com uma ária em que um dos personagens principais expressa seus sentimentos, seguido por um diálogo em recitativo intercalado com árias de curta duração ( petits ares ), na qual o enredo principal da trama ocorre. Cada ato tradicionalmente termina com um 'divertissement', oferecendo grandes oportunidades para o coro e apresentação de balés.
Assim, a tragédia lírica geralmente inclui:
uma abertura solene instrumental, um prólogo introduzindo a ação, referindo alegoricamente aos méritos e realizações do soberano: o prólogo tem a mesma estrutura como os principais atos, (mas desaparece nas obras posteriores de Rameau), cinco atos misturados com árias de solistas, coros, recitativos e interlúdios com danças instrumentais.
Isso também distingue da ópera italiana, que é geralmente em três atos, uma ária instrumental conclusiva, chaconne ou passacaglia ou várias danças em uma cadeia após a outra, em algumas obras, uma grande proporção de passacaglia é inserida em um dos atos, de acordo com o possibililtadas do libreto.
Isto é verdade para o passacaglia de Armide ( Lully ), considerado em seu tempo como a obra-prima do gênero, com sua extraordinária sucessão de variações instrumentais ou corais, a música vocal da tragédia difere profundamente na música daquele de ópera italiana contemporânea pela importância dada ao coro, composto pelos personagens secundários, relativa escassez de músicas solo, que são muito menores pelo virtuosismo e efeitos: o texto deve ser entendido pelo espectador mais cantado pelo recitativo.
De fato, a prosódia da tragédia lírica francesa traz a narrativa para ser distinguida do "recitativo secco" da ópera italiana. A melodia é mais acentuada, dando a continuidade à tragédia lírica que antecipa a melodia contínua da ópera de Wagner, onde os principais intérpretes deveriam ser capazes de cantar e dançar.
As tragédias líricas de Lully exerceram uma forte influência sobre a ópera francesa tanto enquanto ele estava vivo mas mesmo depois nos anos que se seguiram à sua morte em 1687. Estas obras geralmente apresentam temas extraídos da mitologia clássica.
Com as mudanças da moda, elas raramente são ouvidas hoje no teatro, apesar das aberturas e das danças das óperas poderem aparecer em programas instrumentais. As comédias-ballets, na criação junto a Molière, que foi um parceiro único para este gênero, são agora geralmente realizadas sem a música e ballet, que foram os elementos essenciais nas obras originais e sem os quais perdem todo o sentido.
Entretanto, nos últimos anos há uma tendência para festivais em homenagem à música barroca na França, havendo o surgimento do interesse pelas obras de Lully.
As tragédias líricas de Lully são:
01 - Cadmus et Hermione (1673)
02 - Alceste (1674)
03 - Thésée (1675)
04 - Átis (1676)
05 - Isis (1677)
06 - Psyché (1678)
07 - Belerofonte (1679)
08 - Proserpine (1680)
09 - Persée (1682)
10 - Faetonte (1683)
11 - Amadis (1684)
12 - Roland (1685)
13- Armida (1686)
14 - Achille et Polyxène (1687, completado por Pascal Collasse )
Explorando cada uma delas:
01 - Cadmus et Hermione (1673)
"Cadmus et Hermione" é uma 'tragédie en musique' em um prólogo e cinco atos composta por Jean-Baptiste Lully, com libreto em lingua francesa de Philippe Quinault, baseada na obra Metamorphoses de Ovídio.
Foi apresentada pela primeira vez em 27 de abril de 1673, pela Ópera de Paris no Jeu de Béquet. O prólogo foi feito em louvor ao rei Louis XIV, que o faz ser representado como Apollo, depois que este mata a serpente Python e cria a cidade de Tebas. A ópera em si diz respeito à história de amor de Cadmo, fundador lendário e rei de Tebas, na Grécia, com Hermione ( Harmonia ), a filha de Vênus e Marte. Outros personagens incluem Pallas Athene, Cupido, Juno e Júpiter. A ópera conseguiu um enorme sucesso de acordo com uma noticia da época que dizia, " a corte pareceu extremamente satisfeita com esse espetáculo maravilhoso".
Quadro de Nicolas Poussin (1594-1665), Midas e Baco (1627), inspirado nas Metamorfoses, de Ovídio.
Com Cadmus et Hermione, Lully inventou a forma da tragédie en musique, que correspondia mais ao estilo veneziano, e do qual incorporou elementos da comédia entre os personagens secundários (geralmente os servos), elementos que mais tarde ele aboliu completamente, como reformador posterior na ópera italiana. Portanto, esta ópera é de extrema importância por ser a primeira do gênero, onde Lully afastando-se do modelo italiano, e para melhor apelar para a sua audiência ao rei, lança as bases da ópera francesa, onde a arquitetura, a linguagem, a poesia, tudo decorre desta primeira tentativa magistral. O amor turbulento do corajoso Cadmus e da fiel
Hermione marca o nascimento de uma instituição e de um tipo que vai impor a sua singularidade lírica na Europa. Portanto, a ópera Cadmus e Hermione é muitas vezes considerada como a primeira ópera francesa, no sentido pleno do termo. Sendo um trabalho novo no gênero, seus criadores Lully e Quinault batizaram-na de tragédie en musique, uma forma de ópera especialmente adaptada para o gosto francês e, de certa forma, para mostrar-se indenpendente das amarras ao trabalho italiano. Lully passou a produzir tragédias en musique à medida de pelo menos uma vez por ano até sua morte em 1687 e assim elas formaram a base da tradição nacional francesa de ópera por quase um século. Como o nome sugere, tragédie en musique foi modelada sobre a tragédia clássica francesa de Corneille e Racine, os quais retiraram suas bases da mitologia clássica.
Lully e Quinault substituíram o barroco italiano por uma estrutura muito mais clara em cinco atos. Cada um dos cinco atos geralmente é seguido por um padrão regular. Uma ária em que um dos protagonistas expressa seus sentimentos internos é seguida por recitativo misturado com árias de curta duração ( petits ares ), que movem a ação para a frente.
Os atos terminam com um 'divertissement', a característica mais marcante da ópera do barroco francês, o que permitiu ao compositor satisfazer o amor do público pela dança, coros enormes e um espetáculo visual deslumbrante. O recitativo, também, foi adaptado e moldado para os ritmos originais da língua francesa e foi muitas vezes apontado com um elogio especial pelos críticos, um exemplo famoso ocorrendo no segundo ato de Armide.
Os cinco atos da ópera principais são precedidos por um prólogo alegórico, uma outra característica que Lully tirou dos italianos, e que ele, geralmente, usava da oportunidade para cantar os louvores de Louis XIV. Na verdade, toda ópera francesa de Luly foi bajulação ao monarca francês, muitas vezes disfarçada, representada pelos heróis nobres extraídos do mitologia clássica grega ou romance medieval.
A tragédie en musique era uma forma em que todas as artes, não apenas a música, desempenhavam um papel crucial. Sempre com versos de Quinault, combinada com os designs de todo conjunto de Carlo Vigarani ou Jean Bérain e com a coreografia de Beauchamp, bem com os efeitos especiais bem elaborados conhecidos como máquinas ou maquinaria.
Estreada em Paris em 27 de abril de 1673, é baseada em "As Metamorfoses" de Ovídio, e conta a história do lendário fundador de Tebas, que luta com gigantes e dragões para resgatar a filha de Ares e Afrodite.
A estrutura da obra Metamorfoses constitui-se de 15 livros escritos com cerca de 250 narrativas em doze mil versos compostos em latim, e que transcorrem poeticamente sobre a cosmologia e a história do mundo, confundido deliberadamente ficção e realidade, narrando a transfiguração dos homens e dos deuses mitológicos em animais, árvores, rios, pedras, representando o príncipio dos tempos, chegando à apoteose de Júlio César e ao próprio tempo do poeta, que é o Século de Augusto (43 a.C. - 14 d.C.).
É uma das obras mais famosas e considerada como a 'magnum opus' do poeta latino Ovídio. O poema narrativo foi tornado público por volta do ano 8, e trata-se talvez de um de seus poemas inconclusos por conta do exílio que sofreu no Ponto Euxino, costa do Mar Negro, região distante de Roma. É desconhecida a causa do exílio, mas existem duas hipóteses: ou Augusto rejeitou sua obra desde A Arte de Amar e as Metamorfoses de Ovídio, que podem ter sido consideradas ao contrário do pensamento de ordem e estabilidade do imperador, mostrando um mundo em constante mutação, ou o poeta romano foi indiscreto a respeito de algum aspecto íntimo do soberano ou de sua família. motivos que são apenas hipóteses.
Cadmus ama Hermione, filha do deus Marte, mas ela já está prometida ao gigante Draco. Cadmo mata o dragão do gigante mas depois ele próprio tem que enfrentar Draco. Para tal é auxiliado por Pallas que transforma Draco em uma estátua. Apesar disso, Juno tem Hermione, mas o amor triunfará e os amantes se casam sob os auspícios do Olympus. Devido à morte do dragão, Cadmo foi condenado pelos deuses a servir Ares durante 8 anos. No fim do período, Zeus concedeu-lhe a mão de Hermione, filha de Ares (Marte) e de Afrodite (Vênus). Os deuses imortais comparecerem em peso ao casamento, as musas cantaram durante os festejos e a noiva recebeu dois presentes fabulosos: um maravilhoso vestido, tecido pelas Cárites, e um belíssimo colar de ouro, feito por Hefesto.
O Rapto da Europa por Rubens.
Anteriormente Cadmus havia matado a serpente consagrada a Marte, e por isso a fatalidade pesava sobre sua família, com morte dolorosa aos seus filhos Sêmele e Ino, enquanto o próprio Cadmo e Harmione foram expulsos de Tebas.
Exilados na Ilíria, região que hoje em dia abriga países como a Sérvia, Montenegro, norte da Albânia, Bósnia-Herzegovina e Croácia, os dois não conseguiam esquecer o infortúnio por que haviam passado. Foi por isso que certo dia, atormentado pela lembrança dolorosa que não o abandonava, Cadmo descontrolou-se, voltou os olhos para o céu e exclamou inconformado: “Se a vida de uma serpente é tão cara aos deuses, eu preferia ser uma serpente!”.
Ao pronunciar essas palavras, o seu corpo começou a mudar de forma e ao ver aquela transformação Harmione suplicou aos deuses que a fizessem compartilhar do mesmo destino dado ao esposo, porque não desejava deixá-lo. Foi dessa forma que ambos se transformaram em serpentes que passaram a viver nos bosques, mas como se lembravam de sua origem, não causavam mal a qualquer ser humano.
Assim, o casal e a sua lenda inspiraram a primeira ópera francesa.
02 - Alceste (1674)
Alceste, ou "Le triomphe d'Alcide" (Alcide é o nome original de Hércules) é um tragédie en musique com um prólogo e cinco atos criada por Jean-Baptiste Lully cujo libreto é de Philippe Quinault, baseada na obra de Eurípides chamada " Alceste. Foi realizada pela primeira vez no Ópera de Paris em 19 de janeiro de 1674, pela ocasião da celebração, pelo rei Louis XIV, da vitória contra a Franche-Comté (região habitada pelos antigos gauleses, fronteira da Suiça), e o prólogo característico apresentava ninfas comemorando o retorno do rei da batalha.
A ópera em si gira em torno das preocupações de Alceste, princesa de Iolcos e rainha da Tessália, que no primeiro ato é raptada por Licomède ( Licomedes ), rei de Scyros, com a ajuda de sua irmã Tétis, uma ninfa do mar, mas Aeolus, o deus dos ventos e outras forças sobrenaturais surgem para resgatá-la, e Alcide ( Hércules ) é o heroi triunfante. Entretanto, o marido de Alceste, Admete ( Admeto ) sofre uma ferida mortal. Apollo faz um acordo com os deuses em deixar Admete viver se alguém tomar o seu lugar na hora da morte. Alceste se oferece como voluntária, mas é resgatada por Alcide, que a ama. A ópera termina com uma celebração do retorno de Alceste do submundo e da nobre galanteria de Alcide em entregá-la para o marido e abandonar quaisquer reclamações para si mesmo.
Personagens:
Ninfa do Sena (soprano), La Gloire (soprano), Ninfa das Tuileries (soprano), Ninfa do Marne (soprano), Alceste, princesa de Iolcos (soprano),
Admete, rei da Tessália (contra-tenor), Alcide (Hércules), herói grego (baixo), Licomède, Rei de Scyros e irmão de Thetis (baixo),
Lychas, confidente de Alcide (contra-tenor),Straton, confidente de Licomedes (baixo), Céphise, confidente de Alceste (soprano), Cleante, cavaleiro de Admeto (tenor),
Atmosferas, pai de Admeto (tenor), Caronte (barítono), Pluton (baixo), Tétis, uma ninfa do mar (soprano), Apollon (contra-tenor)Le Roy
Prosérpina(soprano), O Fantasma de Alceste (papel silencioso), Alecton, um Fúria (ontra-tenor ( en travesti ) Le Roy
A Fantasma Rejeitada (soprano)
Eole, rei dos ventos (barítono),
Diane (soprano).
Os números musicais são os seguintes: 1. Marche Des Combattons 2. Menuet 3. Pour Les Loure Pecheurs 4. Echos 5. Rondeau De La Gloire seis. La Pompe Funebre 7. Rondeau Pour La Fête 8. Vents Les 9. La Fête Infernale 10. Les Demônios 11. Assiegeants Marche Des
A mitologia de Alceste inspirou vários compositores em diferentes épocas, como:
Alceste - personagem da peça Le Misanthrope ("O Mistrantropo"), do dramaturgo francês Molière
Alceste (Lully) - ópera do compositor francês Jean-Baptiste Lully (1674)
Alceste (Händel) - ópera do compositor alemão George Friedrich Händel (1750)
Alceste (Gluck) - ópera do compositor alemão Christoph Willibald Gluck (1767)
Alceste - ópera do compositor alemão Anton Schweitzer (1772)
Alceste - ópera do compositor italiano Pietro Alessandro Guglielmi (1768)
Alceste - ópera do compositor inglês Rutland Boughton (1922)
L’Antigona delusa da Alceste - ópera do compositor italiano Pietro Andrea Ziani (1660)
Alkestis - ópera do compositor austríaco Egon Wellesz (1924)
A ópera está ambientada na cidade de Iolcos na Tessália
Sinopse:
A história de Alceste foi criada em 438 aC e é provavelmente a mais antiga das dezenove peças remanescentes de Eurípides, a menos que o Rhesus seja considerado genuíno. Foi a quarta peça na tetralogia do autor que incluem " A Mulher Cretense", "Alcmaeon in Psophise" e "Telephus". Ocupa uma posição, pelo menos nos casos que são conhecidos, de uma peça satírica. No entanto, uma peça satírica verdadeira, como Ciclope, é uma peça curta, caracterizada por um coro de sátiros, metade homens e metade animais, que atuam como pano de fundo onde aparecem os heróis mitológicos tradicionais da tragédia. Alceste, apesar da sua posição, não contem elementos abertamente de uma farsa.
Mesmo a alegria de Heracles é atenuada para atender a dignidade do drama sério. A singularidade de Alceste não é o seu final feliz, que não era incomum na tragédia grega, mas o seu posicionamento dentro da tetralogia. Embora a história de Alceste pareça relativamente simples, ela também tem sido objeto de estudo e controvérsia, porque como o próprio gênero a classifica, a história também coloca questões: quem é o personagem principal, Alceste ou Admeto? E através de quais olhos podemos ver a esposa ou o marido? Alceste é tão nobre como ela diz que é? E é digna a atitude de Admeto, ou será que ele merece toda a culpa que seu pai lhe impõe? E a salvação de Alceste é um verdadeiro mistério, ou um sarcástico "e assim eles viveram felizes para sempre " ou simplesmente o fim conveniente de um entretenimento?
O fato é que a história se detem mais na história de um jovem que é rei. Seu nome é Admeto e o grande heroi é Hercules.
Alceste era a mais bela das filhas do rei Pélias. Por isso foi pedida em casamento por vários reis e príncipes. Mas para não arriscar sua posição política recusando alguns desses reis e príncipes, o rei Pélias declarou que àquele que conseguisse atrelar um javali e um leão em um mesmo carro de corrida e o dirigisse em torno do estádio, seria concedida a mão de Alceste.
Admeto, rei de Feras a quem Apolo estava comprometido a servir durante um ano, executa a tarefa com a ajuda do deus e ganha a mão de Alceste. Porém, durante a festa de casamento, Admeto se esquece de Ártemis, e encontra seu quarto cheio de cobras. Apolo sugere que ele tente apaziguar a deusa, e consegue fazer com que as Parcas o poupem, com a condição de que, no momento de sua morte, outro se sacrifique voluntariamente por ele. Admeto não se preocupou muito com essa condição pensando em todos seus servos que lhe deviam favores e que gostavam muito dele e ficou muito alegre com a nova esperança. Ademais, seus pais já muito velhos não se recusariam em dar-lhe a vida por ele.
O dia inesperado da morte de Admeto chegou mais cedo que o imaginado. Hermes (deus mensageiro) entrou em seu palácio certa noite e o intimou ao Tártaro (lugar para onde vão os mortos). Desesperado, Admeto foi atrás de seus familiares implorando para que alguém sacrificasse sua vida em seu lugar. Em vez disso, seus pais deixam claro que a vida tornou-se mais doce e preciosa quando ficaram mais velhos e assim não tinham menor intenção de morrer por ele. E os seus servos tinham muito para se preocuparem e não estavam dispostos a tal sacrifício. Admeto deveria aceitar seu destino e se sacrificar por amor.
Nenhuma pessoa, exceto a sua bonita mulher, a rainha Alceste, voluntariamente se colocou no lugar do marido. Admeto chorou de gratidão e suas lágrimas se misturaram com as dela, numa tocante cerimônia de adeus, que a Morte interrompeu para levar a rainha. Quando o pai veio lhe dar os pêsames, Admeto inconsolável, investiu contra ele acusando-o de egoista e insensível. O velho retrucou dizendo que gostava muito da vida para desperdiçar o pouco que lhe restava e que ele fora egoista e covarde ao permitir que sua mulher o substituisse.
O marido em luto tem a vida para contemplar uma situação de vergonha, de celibato e isolamento. Heracles vê seu amigo em luto e pergunta-lhe a respeito de quem morreu. Admeto assegura a seu amigo que era simplesmente um estranho e que Heracles é muito bem-vindo para ficar. Heracles acredita na palavra de Admeto, pois não não há elementos abertamente de uma farsa e começa a festa, todos se alegrando como era seu costume. Finalmente, um servo diz a Heracles que foi a rainha Alceste que morreu. Heracles, com raiva e mágoa confronta Admeto e descobre a verdade. Ele pergunta a Admeto como ele pode enganar um amigo de forma tão embaraçosa e cruel.
Admeto conta dolorosamente a Heracles toda a história. Ele diz que está arrependido de sua humilhação, mas que ele não queria recusar a hospitalidade de Heracles, uma vez que ele sentiu que a hospitalidade era a única coisa que ele tinha deixado de dar o seu amigo. Heracles não só perdoa o seu amigo, mas sente a sua dor na perda de Alceste.
Heracles, com os seus poderes deus e de heroi vai até o Hades e luta com a Morte pela vida de Alceste. Ele ganha e traz Alceste de volta para Admeto, que no início não reconhece Alceste até que esta deixa cair o veu de seu rosto, quando o marido reconhece sua esposa viva. E assim o final é feliz.
Entretanto, Alceste permanece muda e imóvel. Mas aquele desfecho surpreendente não teria um final feliz. Admeto ficou radiante, mas Alceste não emitiu uma só palavra ao se reencontrar com o marido. Uns dizem que ela estava muda de espanto com o que tinha visto no outro mundo.
Sem dúvida podia ser espanto, mas o motivo era bem outro: ao passar para o outro mundo, ela pode ver, pela vez primeira, o avesso da vida, e tinha compreendido que o amor e a morte, a generosidade e o egoismo, a coragem e a covardia se entrelaçam, inseparáveis, para formarem essa figura complexa, rica e imperfeita que é inerente a qualquer ser humano.
Admeto foi um dos Argonautas, que eram os tripulantes da nau Argo que, segundo a lenda grega, foi até à Cólquida (atual Geórgia) em busca do Velo de Ouro, ato que o fez jus a seu nome, que significa : impossível de dominar. Era famoso por sua hospitalidade, abrigando deuses e heróis em sua casa, e foi este costume que o salvou da tristeza e humilhação.
O próximo post ainda será dedicado às tragédies lyriques de Lully.
Levic
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