quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

117-Século XX- A ópera nos EUA









Uma visão inicial
A ópera americana somente surgiu no século XX, e hoje esse país constitui-se como um grande celeiro e fonte de difusão deste gênero musical. Sem tradição clássica própria, os EUA começaram a acolher a ópera importada, onde imigrantes enriqueceram os seus teatros de ópera.

No século XIX, alguns compositores americanos propuseram-se a fazer óperas, entretanto nenhuma delas obteve o grau de ser genuinamente americana. Geralmente,William Henry Fry (1815-1864) é considerado o pai da ópera americana, com sua "Leonora" (1845) , com libreto do irmão do compositor, pois foi a primeira ópera que se tem notícia de um compositor americano a ser realizada nos Estados Unidos. A estreia de Leonora foi financiada em parte pelo compositor, e a obra foi retomada em Nova York, alguns anos depois pela Academia de Música. Entretanto, sua obra foi fortemente influenciada pela ópera italiana do início do século 19, e assim é impossível 'ler' Leonora sem ler o nome adjetivo "italiano".

Uma outra ópera, esta podendo ser considerada a segunda ópera americana, leva o nome de "Rip Van Winkle" (1855), de George Frederick Bristow, realizada por uma companhia profissional, e que foi também a primeira com um assunto americano, o conto de Washington Irving com o mesmo título. A ópera foi bem recebida pelo público, apesar de algumas críticas ao libreto de Wainwright. Mas, como o anterior, com muitas influências italianas.


Mas isso não quer dizer que o povo americano se descuidasse desse entretenimento, pois sendo o teatro musical o equivalente à televisão e ao cinema hoje, desde o século XVIII, o lazer dominava às salas de exibição sempre cheias de pessoas que aplaudiam e pediam as suas cançõs prediletas. Só que o que dominava, desde o início, não era a ópera de estilo italiano, mas o que atraía os primeiros colonizadores era uma forma mais descontraida da chamada "ballad opera", que consistia numa peça leve ou satírica, geralmente falada e intercalada de canções, sendo uma espécie de 'pasticcio'.



Sob influência da cultura londrina, a ópera que serviu de modelo para esta espécie foi a "Beggar's Opera" de John Gay, com música adaptada por Samuel Pepusch, apresentada em Londres em 1728 e assim se desenvolveu uma série de paródias no solo americano. Também é preciso dizer que obras de compositoes europeus, principalmente ingleses, eram representadas com bastante audiência e a colônia assim acompanhava as composições de Handel, Arne e até as italianas.

Nas sátiras usadas para o 'ballad opera', os temas principais usados eram as óperas italianas, elaboradas demais para o gosto do povo, e até o próprio Gay era alvo de gozação. Portanto, os centros urbanos como Filadelfia, Nova York, Nova Orleans e outras já mantinham teatros com este tipo de 'ópera', compostas pelos próprios americanos.




Já na segunda metade do século XIX, além dos dois compositores já citados anteriormente, a obra literária com enorme repercussão foi "Uncle Tom's Cabin"(Washington Irving), da qual surgiram inúmeras peças teatrais e principalmente duas se destacaram: o melodrama musicado de George Howard e a ópera de Caryl Florio (imigrante inglês), que foi estreada no Theatre de Philadelphia em 1882. Todavia, não fez sucesso, pois não apresentava os elementos atrativos que encantavam as plateias.




Mas, o que dominou nesta época foram as operetas, que surgiram com vários nomes, como farsa, musical, opera bufa, musical extravaganza e os 'spectacles' (vaudeville) que foram as designações que tomaram as comédias americanas até o final do século, sinal de que até mesmos os autores tinham dúvidas quanto aos limites das diversas designações. Nessa mesma época, foi inaugurado o Metropolitan (1883) com a ópera Fausto de Gounod, que atendia mais ao público intelectualizado e sofisticado, enquanto as camadas populares ficavam na outra parte com as comédias.

Quando Nova York, pela primeira vez, tomou contato com as operetas de Offenbach (1867) foi uma descoberta fenomenal do uso do teatro musical, e seguidamente entraram as operetas de Gilbert e Sullivan criando uma verdadeira paixão nas pessoas. Também entram em cena as de Franz Lehár com sua Viuva Alegre que ditou moda na época. E daí para as operestas americanas foi um pulo. Surgiram diversos compositores, hoje completamente esquecidos, que dedicaram-se a esse gênero ligeiro pela sua graciosidade e leveza. Infelizmente, algumas de suas partituras não foram conservadas, em compensação outras foram até apresentadas em Londres.

Na virada para o século XX, por volta de 1890, o diretor da Germania Opera, sabendo do grande número de alemães em NY, trouxe Wagner para ser apresentado aos americanos, e suas famosas óperas foram realizadas, despertando uma nova paixão e foram apresentadas no Met, e além, através de excursões por todo território.

Com isso, o movimento da criação de óperas americanas ficou um tanto travado, até que, já no século XX, houve uma saturação da influência wagneriana e, em reação, surge um movimento nacionalista, cujas obras vão buscar inspiração no acervo étnico do Novo Mundo, introduzindo libretos exóticos e música de influência indígena.




O MET continuou com suas apresentações de óperas europeias de renome, até que uma ópera americana (Cleópatra, de Paul Allen) foi encomendada por um editor italiano, e aí os empresários da casa viram que talvez valesse a pena apostar na ópera americana. O MET, então, abre um concurso para a composição de óperas americanas. E assim, a ganhadora do concurso subiu aos palcos em 1910, com a ópera "Mona" de Horatio Parker e Brian Hooker. E daí por diante, muitas peças operíticas americanas foram apresentadas no mais respeitoso teatro de ópera dos Estados Unidos. Mesmo assim, tinham que obedecer a certos critérios, porque, por exemplo, Porgy and Bess, criada em 1935, só pôde ser apresentada no MET em 1985, porque seu elenco era de negros.


Os negros, desde muito cedo, contribuiram para a música americana em todos os níveis do gênero musical através dos 'spirituals', canções de trabalho, as formas de canto que vão dar origem aos blues, os ritmos que deram bases ao jazz e os moldes que vão dar no teatro musical, e que vão contribuir sobremaneira para o desenvolvimento do musical americano. É a descoberta do Harlem. Dizem que Copland e Gershwin eram frequentadores assíduos dos clubes desta localidade.

Portanto, a comunidade negra americana não deixou de dar sua contribuição e, neste sentido, em 1928, no circuito da Broadway, se teve notícia da primeira ópera escrita por um autor negro, que foi "Voodoo", de Harry Lawrence Freeman (grande expoente da música clássica) e não só ele, como outros também.



A primeira metade do século XX, assim, já apresenta um panorama de grandes compositores, e aí aparece o movimento do 'experimentalismo', onde os compositores (e outros intelectuais) de renome vão para Paris para estudar com Nadia Boulanger e frequentar os bares parisienses onde se reuniam os diversos artistas como Jean Cocteau, Pablo Picasso, Ernest Hemingway, Amedeo Modigliani, cujas discussões giravam em torno de libertar as artes de seus moldes tradicionais. A escritora americana Gertrude Stein encontra o músico Virgil Thomson e criam uma ópera juntos, que constituiu a pedra fundamental da ópera americana.




Para maior detalhamento de todas as óperas americanas que, de certa forma, contribuiram para a sua solidificação, ver o site US*Opera que tem a relação completa dos compositores e suas obras: http://www.usopera.com/faq/timeline.html

Mas, ainda há de ser realçado aqui, o trabalho muito bem feito de Virgil Thomson (1896-19989) Four Saints in Three Acts (1928), e The Mother of Us All (1946), óperas feitas com libretos de Gertrude Stein. Encenada pela primeira vez no Wadsworth Atheneum em Hartford (7 de fevereiro de 1934), Quatro Santos em Três Atos abriu na Broadway em 20 de fevereiro de 1934.




A ópera foi notável na medida em que desafiou muitos aspectos tradicionais ligados à supremacia da ópera italiana. O libreto de Stein focalizou mais em afinidade com os sons das palavras do que em apresentar uma narrativa, enquanto que a música de Thomson foi pouco convencional na sua simplicidade. Mas, ao que parece, apesar de ser um trabalho pioneiro, não teve muita popularidade.



Entretanto, sem um ponto fixo de influência, esta ópera revolucionou todo o conceito de ópera até então entendido na América e os diversos compositores contemporâneos, basearam-se nela, de uma forma ou outra, para firmar a ópera americana. Sua influência ficou como uma efervescência latejando por baixo, subrepticiamente na sensibilidade dos compositores, para citar alguns, como Dominick Argento ( Postcard from Morocco, 1971), Philip Glass e Robert Wilson ( Einstein on the Beach, 1976), Scott Wheeler ( Democracy: An American Comedy , 2005), e Ned Rorem e JD McClatchy, ( Our Town , 2006).





Mas, apesar de todas as óperas feitas até então (todas devidamente dentro de seus valores), a única que tomou um pulso forte foi somente em 1935, com a qual uma voz americana foi levantada para marcar a inauguração triunfal da ópera americana pelas iniciativas de George Gershwin com sua "Porgy and Bess". Embora até hoje encontre restrições, foi o grande marco para os EUA apresentarem atualmente as produções vigorosas neste gênero.



Criadores de grande originalidade como Gershwin, Bernstein e Virgil Thomson, ao lado de libretistas como Gertrude Stein, sintetizaram a música ao ritmo da fala americana, dando as bases iniciais e de onde hoje se destacam Picker, Bolcolm, Corigliano e outros.

George Gershwin no seu intuito de promover uma ópera com raizes musicais e fala apropriada, viajou de Nova Yorque até as Carolinas para absorver a cultura da comunidade afro-americana a ser representada pelos seus personagens.

Só que o texto de DuBose Heyward e letras de Ira Gershwin e do próprio Heyward, em 1935, dois anos antes da morte do compositor, provocaram as mais intensas reações, desde o não reconhecimento da peça como ópera, como embrenharam-se numa luta pelo argumento que a obra não garantia autenticidade exigida para um drama passado no fictício cortiço de Charleston, Carolina do Sul.

Outros ainda questionaram a própria música de Gershwin, dizendo que não era jazz, não tinha a ver com o folclore americano, e nem representava a música autêntica dos negros americanos. Culminou quando os dois criadores da ópera, associaram a nova ópera americana ao musical da Broadway, enquanto óperas europeias eram encenadas no MET (Metropolitan Opera de New York).

Na verdade, Gershwin foi o principal compositor da Broadway durante muito tempo e após a guerra, Leonard Bernstein continuou a desafiar as distinções entre óperas e musicais, colocando que estes mantiveram-se com o mesmo padrão do entretenimento popular que prevaleciam no Velho Mundo, assim como muitas óperas e operetas.

O tempo, porém, incumbiu-se de apagar as críticas e fazer de "Porgy and Bess" um clássico obrigatório na cena lírica americana, com inúmeras produções em casa e fora do país.

Inegável, no entanto, é o reconhecimentoé de que os teatros de ópera nos EUA sempre buscaram obras que pudessem ter repercussão nacional, através do uso da literatura, como "Um Bonde Chamado Desejo (Tennessee Williams), o Grande Gatsby (Scott Fitzgerald) ou procurando inspiração nas celebridades, como Jackie Onassis, ou mesmo na história como o episódio da Guerra Civil. A quantidade de teatros de ópera espalhados pelo território americano, dá-nos uma visão do público que prestigia essa arte.

Nas décadas de 40, 50, ou até mais, um movimento neo-realismo atinge à ópera americana, período típico dos anos pós-guerra, marcado pela campanha do anticomunismo e pela 'guerra fria' que vão refletir no campo das artes, do qual a literatura e o cinema vão nos dar a crítica da realidade. Como compositor de óperas que se realça nesta época é Gian-Carlo Menotti e outros autores que se encaixam ao equivalente verismo italiano, guardando as devidas proporções. Os temas retirados da literatura expressam o processo de remodelação do melodrama, ambientando-o aos cenários tipicamente americanos.



Nas décadas posteriores, os compositores afastaram-se do neo-romantismo tradicional e buscaram novas formas de expressão, surgindo o teatro politizado de Kurt Weill, as inovações musicais de Stravinski, a combinação de serialismo com jazz como Schueller fez em "O Processo" de Kafka. Os libretos tornaram-se mais filosóficos e preocupados com os problemas mentais do ser humano, a violência e os conflitos sociais. Já não há mais lugar para temas de caráter folclórico.





Na década de 60, compositores como John Cage aderiram às experimentações europeias e outros incursaram nas óperas de linguagem do minimalismo, como são as obras de "Einstein on the Beach" de Philip Glass ou a ópera de John Adams chamada "Nixon in China".

O MET tentou renovar sua programação rompendo com a barreira do culto e do popular, mas ao mesmo tempo não estava querendo exibir óperas modernas, desde o fiasco de "The Rake's Progress". Foi quando a Broadway começou a apresentar peças com refinamento musical que as aproximavam da construção de uma opera.

Assim, em 1958, o aristocrático teatro abriu suas portas para apresentar a ópera "Vanessa" de Barber que incluiu elementos da Broadway. Os tempos mudam...

Atualmente, a organização OPERA America mantém um serviço de promoção para a criação e apresentação de óperas em solo americano, formando uma associação com todas as companhias de ópera americanas ou as filiadas internacionais. Aliás, a França, a Alemanha e o todo da Europa tem as suas organizações, respectivamente Réunion des Opéras de France, Deutscher Bühnenverein e Opera Europa.

O certo é que nos EUA, a ópera está viva e cheia de força, e de onde vêm produções ousadas e bem produzidas, enriquecendo o panorama lírico musical. Basta ver o número de teatros de ópera que estão espalhados pelo seu território. Vamos então explorar a ópera nos Estados Unidos!


Para enriquecer este post, procure ver o site do Scene4 Magazine com comentários sobre a ópera mos Estados Unidos. Clique aqui

Para ler este artigo traduzido para o português, clique aqui:


Um livro importante para ser lido é o de Aaron Copland, extraido do site Scribd :
http://pt.scribd.com/doc/55437414/16/Compositor-Interprete-e-Ouvinte

Ainda, pode ser complementado aqui, do site San Diego Opera, "A ópera nos EUA"-Nicolas Reveles

Para maior embasamento no assunto, sugiro consultar o livro de Lauro Machado Coelho, A Ópera nos Estados Unidos, Editora Perspectiva.

Incluindo mais um site sobre a história da Ópera Americana.

Até mais!




Levic

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